Qual a logística envolvida na compra da vacina chinesa? O Brasil cometeu erros de logística que poderiam ter sido evitados nessa transação? Qualquer empresa, organização ou poder público que negocia com países asiáticos deve prestar atenção em alguns pontos, e a gestão logística é um deles.
Neste texto, apontamos alguns motivos pelos quais o Brasil não acertou durante a negociação das compras de vacina contra a covid-19 com os países da Ásia. A partir deles, você conseguirá ver algumas questões de logística essenciais na hora de importar produtos da China e da Ásia. Confira!
Aqui você verá:
- 1. Culpar o fuso horário para atrasar negociação
- 2. Não compreender a importância do Guanxi (relacionamento) nos negócios com a Ásia
- 3. Não ter um plano de emergência e mitigação de risco
- 4. Não ter uma equipe in loco na Ásia para auxiliar as negociações
- 5. Ter carência em estratégia logística para materiais perecíveis (FEFO)
1. Culpar o fuso horário para atrasar negociação
Você sabia que o fuso horário na China é único, apesar da extensão territorial? No Brasil, nós temos 4 fusos diferentes: Brasília (horário oficial), Fernando de Noronha (+1), Manaus (-1) e Acre (-2).
Essas pequenas diferenças de horas que acontecem no Brasil facilita bastante o “encontro” de interesses em uma negociação comercial dentro do país e de outras partes estrangeiras conosco.
No entanto, quando o governo brasileiro pensa na gestão logística da compra de países asiáticos, é fundamental prestar atenção ao fuso horário. Negociar a vacina China com os fornecedores chineses pode trazer, sim, algumas dificuldades nos processos comerciais, mas o fuso horário não pode servir de justificativa.
Afinal, qualquer parte do mundo que negocie diretamente com a China enfrentará esse detalhe, e isso não impede que a relação comercial entre os países seja feita.
Na tentativa de entender melhor a questão, vamos comentar o fuso horário da China e da Índia, país com quem o Brasil teve alguns dos erros de logística bem consideráveis.
A China possui um extenso território de quase 9,6 milhões de km², sendo o terceiro país do mundo em área terrestre.
Desde a Revolução Chinesa em 1949, Mao Tse Tung adotou um único fuso horário da China para promover uma maior união entre os chineses e facilitar a organização do governo.
Na prática, todos os relógios marcam o horário de Pequim, pois era o plano do Partido Comunista Chinês facilitar a organização dos meios produtivos e da economia. Atualmente, o fuso horário único causa conflitos internos e externos, como esse impasse com o governo brasileiro. Em relação ao horário de Brasília, a China está 11 horas à frente.
E na Índia? O fuso horário também é único, e o país está 8 horas e 30 minutos à frente do Brasil.
Por causa dessa larga diferença, os estrangeiros precisam vencer o desafio dos horários. Se o governo brasileiro elaborou um plano de gestão logística considerando horários pela manhã ou pela tarde, por exemplo, não conseguirá qualquer resposta dos fornecedores chineses, porque estarão no período noturno ou de madrugada. Algo bem semelhante acontece na Índia.
Não à toa, em meados de janeiro deste ano, Eduardo Pazuello, o ministro da Saúde, disse que enfrentou dificuldade de negociação com a Índia para a importação de 2 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca devido ao fuso horário.
Por isso, se você pretende ter relações comerciais com países asiáticos, deve ficar atento ao fuso horário. Os desencontros irão acontecer, bem como a descontinuidade das negociações. Se você não prestar atenção a esse detalhe, pode demorar mais tempo para fechar negócio.
Em outras palavras, planeje seus horários com base no fuso horário do país asiático.
Dica: Utilizar a noite de domingo para planejar e encaminhar assuntos importantes podem render resposta já na segunda-feira de manhã!
2. Não compreender a importância do Guanxi (relacionamento) nos negócios com a Ásia
Quando pensamos em negócios com a China, existe um fator muito importante que diz respeito à uma característica cultural. É o Guanxi, ou relacionamento. Sempre que uma empresa considera realizar uma transação comercial com esse país asiático, o Guanxi é fundamental e determinante na logística.
No ocidente, valorizamos bastante o conhecimento, a especialização dos profissionais e a qualidade do produto ou serviço. Na China, a ênfase é “quem você conhece”, suas conexões sociais com autoridades e indivíduos.
Em outras palavras, seus relacionamentos determinam todos os aspectos de uma negociação, inclusive a gestão logística. Por isso, na hora de negociar a vacina chinesa, o Brasil deveria ter tomado mais cuidado com o Guanxi.
Em uma definição mais precisa, Guanxi é “um tipo especial de relações ou conexões sociais com base em interesses e benefícios mútuos, em que as relações entre parceiros acontecem por meio de obrigações recíprocas e troca de favores”. Nos negócios, é a rede que auxilia as atividades gerais de negócios.
Para entender melhor,
o Guanxi possui três dimensões:
• Ganqing: são os sentimentos, a afeição, o grau de amizade pessoal e a ligação social.
• Xinren: trata-se da confiança, da credibilidade e da benevolência entre os indivíduos.
• Renqing: é a troca de favores, a reciprocidade.
3 etapas para desenvolver o Guanxi:
1. Início: momento em que as partes se familiarizam um com o outro buscando identificar pontos em comum. Vale destacar que as culturas orientais, incluindo a chinesa, não “quebram o gelo” facilmente com estranhos e possuem algumas particularidades em suas habilidades sociais. Por isso, deve existir vontade mútua. A reciprocidade é fundamental para isso.
2. Construção: momento de se estabelecer confiança mútua e afeto. Ocorrem interações expressivas (atividades sociais) e instrumentais (atividades pragmáticas de trabalho e negócios) visando a aproximação.
3. Uso do guanxi: etapa marcada pela troca de favores, sempre pensando no princípio da equidade de longo prazo, em que as partes têm direito de partilhar o seu resultado conforme sua contribuição no processo de troca. Os esforços são realizados para manter o balanço social em equilíbrio no longo prazo.
E os erros de logística do Brasil na hora de comprar a vacina chinesa e indiana em relação ao Guanxi?
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que o Brasil sempre foi um país referência quando o assunto é relações exteriores. Nos últimos anos, porém, a política externa sofreu algumas críticas, inclusive provenientes da China. Alguns conflitos com representantes do país asiático desgastaram as relações entre os países.
Com esses episódios, podemos dizer que o Guanxi entre os países ficou abalado, e isso certamente interferiu na hora das negociações da vacina chinesa. Como informa o Correio Braziliense, o mesmo aconteceu em relação à Índia, que preferiu priorizar seus vizinhos territoriais na venda da vacina produzida no país.
3. Não ter um plano de emergência e mitigação de risco
Quando falamos em logística, um dos pontos importantes é ter sempre um planejamento detalhado de todas as etapas. É a chamada gestão logística.
A empresa ou o governo precisam identificar os riscos ainda na etapa inicial para adotar ações que mitigam ou eliminam essas ameaças. De igual maneira, devem ter em mente as melhores estratégias para buscar efeitos positivos nas operações.
Infelizmente, o governo brasileiro não se preparou para a compra da vacina China e de outras vacinas. A gestão logística não aconteceu como deveria, mesmo com a excelente reputação que possuímos no tocante a campanhas de imunização.
No fim de dezembro, vimos mais de 30 países do mundo iniciando a aplicação de vacinas contra a Covid-19. O Brasil, por uma série de fatores, inclusive disputas políticas internas, demorou a apresentar seu plano de vacinação, o que, consequentemente, prejudicou toda a logística em relação à compra de vacina chinesa e de outros países.
Somente em 16 de janeiro, o governo federal lançou o plano nacional de vacinação. Naquele momento, o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros, ainda salientou que não era um plano definitivo, porque o Brasil não possuía vacinas suficientes para vacinar toda a população.
Mesmo sendo referência na América Latina de fabricantes de vacinas e referência mundial de programa nacional de imunização, como destacou o ministro Pazuello, a ausência de um planejamento eficaz quanto à vacina atrapalhou a logística do plano, o que sempre foi um diferencial positivo no Brasil
Outro ponto que corrobora os erros de logística quanto à vacina chinesa e de outros países é a opção do governo pela menor cobertura possível na aliança mundial de vacinas (Covax). Por meio dessa iniciativa, os governos puderam solicitar vacinas para atender de 10% a 50% da população dos países. No entanto, o Brasil solicitou somente os 10%, a cobertura mínima.
Conforme esclarecimento do Ministério da Saúde, “o ministério optou por assegurar o mínimo de 10%, mas é importante ressaltar que, conforme previsto no contrato de adesão, a pasta pode adquirir mais vacinas junto aos laboratórios que integram a aliança”. Porém, a Covax deverá atender aos demais contratos assinados antes de abastecer um novo e eventual pedido do Brasil.
Esse é mais um dos erros de logística nas relações comerciais do Brasil com iniciativas estrangeiras. A ausência de um plano emergencial pode deixar a maior parte da população sem vacina por um tempo significativo.
Em questão de importações e negociação internacionais, tenha sempre mais de um parceiro comercial, agente de cargas e outros prestadores de serviço como “backup”. É importante não se expor a riscos de fornecimento para os seus produtos.
4. Não ter uma equipe in loco na Ásia para auxiliar as negociações
Dois erros de logística cometidos pelo Brasil ao negociar vacinas com a Ásia, como apontamos, foi culpar o fuso horário e desconsiderar a importância do Guanxi. Com uma única medida, o governo federal poderia ter evitado esses erros: ter uma equipe in loco na Ásia.
Quando falamos de relações privadas, entre uma empresa brasileira que deseja importar produtos da China, existe a possibilidade de contar com a expertise de uma consultoria de comércio exterior, como a Guelcos. É a certeza de ter ao lado profissionais capacitados e acostumados com o mercado asiático, bem como suas particularidades, nas quais se incluem as relações negociais e o fuso horário.
O extenso relacionamento com fornecedores de todos os tipos já capacita tais profissionais ao adotarem as melhores práticas, seja em negociações ou em burocracias. Inclusive, os consultores costumam assumir toda a frente do projeto de importação.
No caso da relação entre governos, a ideia deveria ser a mesma. Como pontuamos, o governo brasileiro tinha uma excelente reputação em suas tratativas externas. Um dos motivos desse sucesso era exatamente a presença de representantes do governo em ocasiões importantes.
Em momentos de emergência, como a atual crise sanitária mundial, ter representantes do governo federal na China e na Índia seria fundamental para o desenrolar das negociações. No entanto, isso não aconteceu, o que prejudicou bastante a compra das vacinas.
5. Ter carência em estratégia logística para materiais perecíveis (FEFO)
A lógica básica para lidar com materiais perecíveis é FEFO: First expire, first out (primeiro que expira é o primeiro a sair, em linguagem simples).
Quando tratamos de materiais relacionados à saúde pública, vacina chinesa e de outros países, é fundamental que a gestão logística considere o FEFO, pois a vacina é um material perecível.
Uma vacina é produzida com determinadas substâncias que devem obedecer a certas condições de transporte e armazenamento para continuar eficaz. Uma das questões muito discutidas, inclusive, foi a conservação da vacina da Pfizer a -70ºC. Quando se trata de materiais perecíveis, a estratégia logística é ainda mais importante.
Não ter um planejamento e uma estratégia definida foi mais um dos erros de logística cometidos pelo governo brasileiro. Para entender as falhas, pense que é fundamental ter uma visão sistêmica da logística.
A análise isolada de um componente da logística não é eficaz, pois é possível que haja interdependência entre os elementos. E isso não significa deixar de lado o estudo individual de cada elemento, suas características, as inter-relações e os custos.
Em outras palavras, a cadeia logística no processo de vacinação é fundamental para garantir a efetividade e eficácia da imunização da população.
Mesmo sem conhecer os detalhes técnicos das vacinas ainda não aprovadas, o governo federal deveria planejar estrategicamente toda a logística envolvida, considerando modos de transportes, manuseio, armazenagem, controle, distribuição, qualidade e segurança.
Existe uma infraestrutura de transportes capaz de atender à distribuição logística da vacina, já sabemos. Mas o sucesso do programa de vacinação contra a covid-19 depende de liderar a gestão logística para que a vacina chinesa ou de outros países chegue aos seus destinos finais aptas para o uso.
Por ser um produto biológico, sensível à umidade, à temperatura ambiente e à luz, é preciso seguir um rigoroso protocolo de logística para que ela não perca sua capacidade imunogênica. E, claro, seguir a regra FEFO.
A logística é fundamental para que ocorra uma efetiva imunização da população brasileira, seja com a vacina chinesa ou com a vacina de outros países.
Os erros de logística cometidos pelo governo brasileiro poderiam ter sido evitados, mas servem de exemplos para qualquer empresário que deseje ter negócios com países asiáticos. Se esse é o seu caso, converse com a Guelcos e veja como nossa consultoria pode ajudá-lo!